CAPÍTULO I
Face rosada com pronunciadas rugas. Barbas brancas e longas. Cabelo encaracolado, despenteado, mas sempre cuidado. Sorriso nos lábios. Andar firme e decidido, caminha olhando a linha do horizonte. Com a mão esquerda segura o alforje apoiado ao ombro. Camiseta e bermuda cinza. E para completar a indumentária um simples chinelo “havaianas”. Poucos dão valor a esse perfil, mas quando ele para e começa falar, todos prestam atenção ao que ele diz. Manoel é o nome dele. Simplesmente Manoel. Não quer que perguntem o sobrenome. Sobre sua família então, nem faz menção e divaga quando alguém insiste e toca no assunto. Talvez seja esse o traço mais intrigante e o que o torna interessante. Intrigante e interessante, seja lá o adjetivo com que queiram identificá-lo, ele não dá a menor importância.
Outro dia, passeando pela praia parei para um descanso. Sentei na areia e fiquei olhando o movimento da água do mar.
Vários barcos de pesca estavam ancorados, mas um em especial chamava a atenção de quem por ali passava. Estava virado com o fundo para cima e passei a observar também, pois um cachorro saiu debaixo dele e percebi que algo se movia além do cachorro. Levantei-me de onde estava sentado, não me dei conta de que a curiosidade move pessoas, dei alguns passos na direção do barco e fiquei observando aquele homem se levantar. O que estaria fazendo ele, debaixo do barco. Não tive dúvidas:
- Bom dia, disse ele. Mesmo antes que eu balbuciasse qualquer palavra. Ele é assim mesmo, tem iniciativa e está sempre sorridente. Para ele a vida é uma dádiva de Deus.
- Mas o que você estava fazendo embaixo desse barco? Perguntei.
Calmamente, como é de praxe, me perguntou se eu tinha tempo para ouvi-lo. Falei que sim e ele começou me contando que há alguns dias vêm tendo pesadelos e lembranças ruins têm feito perder o sono.
Mas que raios de homem misterioso é esse Manoel. Por questão de minuto, enquanto eu aguardava ele se abaixar para pegar o alforje, meu pensamento passeou rápido e tive vontade de desistir de ouvi-lo. Sabe-se lá se o nome dele é mesmo Manoel. Ele não confirma nem isso.
- Bem. Disse calmamente. Ontem quando saí para pescar, deveria ser quatro horas da manhã, minha vizinha estava discutindo com o marido.
- Veja só, quatro horas da manhã discutindo com o marido. A vida poderia ser absolutamente simples, mas o homem cria complicações e ainda se diz inteligente. Enquanto trancava a porta da minha casa, uma lânguida luz da lua clareava meu cachorro em sua casinha. Ele acordou com o barulho da chave girando na fechadura, chacoalhou a cabeça, se colocou em pé e seguiu-me até o barco. Naquele dia, fiquei com pena dele e o recolhi no barco. Ainda falei com ele.
- Rick, vou te levar comigo, mas vê se não pula na água. Ele se comportou. O Rick é obediente, é um bom companheiro.
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